terça-feira, 8 de maio de 2012

A cena




Ela levantou-se para ir ao banheiro. Olhando aquele cara, que ela sempre olhava todas as vezes que se levantava de sua mesa. Aquele cara que tinha nome e que tinha uma coisa, um sei lá o que diferente que mexia com ela, que a intrigava. Tinha algo interessante que pairava no ar, enquanto ele estava perto, e ela mal conseguia disfarçar seu constrangimento.

E assim que ela se levantou, não quis ver que os olhos dele, corriam de encontro ao dela.Talvez porque ele também havia percebido, talvez porque aquele dia ele estava distraído.
Mas ao caminhar, no primeiro centimetro do seu passo, ela sentiu aquela urgência, um frio na espinha, um quê que só dá em quem endoidece, em cena de filme clichê. Sentiu aquela necessidade de fazer algo, de não sei, de falar com ele, chamar pra um café..uma vontade de tocar-lhe o braço e dizer como ele estava bonito. E sem perceber, seus pés mudaram o caminho, e viravam-se para ele, o tal cara interessante. 

E caminhando até lá, não pensava senão no minuto, na vida, e nas coisas que tinha deixado pra trás, e dos momentos que havia perdido, por ter pensado demais, e caminhando assim, chegou até o cara, que a  essa altura a olhava espantado, um tanto curioso.

Aquilo, não era um ato de sedução, não era um coisa desesperada, muito menos de gente drogada, aquilo foi o momento que se mostrou e que pra ela deixou claro como a vida é boba e como a gente se leva a sério. Sem falar nada, abaixou-se com delicadeza, e beijou-lhe a face, mesmo sem saber porque exatamente estava fazendo aquilo.
Beijou-o demoradamente, e enquanto beijava, sua mão sozinha escorregava pelo rosto dele, que ainda olhava pra ela sem entender nada.

Sentiu nas pontas dos dedos a pele, e o cheiro dele subiu até a ponta do seu nariz.Foi sentindo as nuances de seu rosto pequeno, a fineza da sua sombrancelha e quando menos percebeu sua boca havia encostado na dele suavemente, sem mistérios, sem tramas imaginativas, sem música e sem clarão.

E aí, o olho do cara deixou de olhar espantado, entendeu o singelo recado e agora, participava daquela cena estranha e cheia de vida. 
Era um beijo pra salvar o momento, pra salvar a solidão, pra salvar o desamor, pra salvar as pessoas da masmorra da rotina..


E se era só um beijo cheio de carinho, expectativa, ou até mesmo de tesão por conta da iniciativa, o que ficou ao final foi somente a cena daquele beijo realizado, sacramentado, entendido. 


Foi o que ela pensou enquanto ia ao banheiro, imaginando-se louca por pensar numa coisa dessas, num dia tão frio e tão sem graça..diante de tanta tralha, de tanta coisa pegando traça, ao sair da sua cadeira de balanço enquanto velha e sozinha, espreitava o anoitecer.



Ouvindo_Zeca Baleiro_Felicidade pode ser qualquer coisa

Um comentário:

Wania disse...

Liiiinda cena!


A vida é cheia de singelos recados, não podemos nos privar de reconhecê-los, sob pena de nos tornarmos meros expectadores do nosso próprio filme.


Adorei!
Bj