domingo, 22 de abril de 2012

mudar..





Então, começa a mudança..
você muda aqui, muda acolá.
arrasta coisas que estavam no mesmo lugar havia tempo..
tira pó de livros e revistas, encontra coisas que escreveu sobre si mesma..

vai se perdendo na bagunça..
que faz mais parte de você do que você imagina..

projetos interminados
textos inacabados..
fotos e retratos que guardam um sorriso
que já não existe mais

tudo junto
como numa grande festa natalina
como num reveillon de emoções que acontecem
sem que ninguém perceba

você revê tudo, de uma nova perspectiva
e por mais que negue
sente um tanto de melancolia
por abandonar o lugar onde está

enquanto empacotava meus livros
ia me revendo em cada fase
da minha vida
em cada letra de música
em cada canção cantada
em cada vinil preservado

é como morrer e nascer de novo
é como renascer de algo que não existe
é como o fim pra recomeçar

mudanças me trazem esses sentimento febris
tenho medo
tenho insônia
tenho pavor

as coisas que saem do seu lugar
parecem contar mais coisas
do que aquilo que não foi dito

e assim mudamos...


de endereço, de vida
de esperança..

vivemos...
preservando o impreservável....



Ouvindo_All My Days_Alexi Murdoch


quarta-feira, 18 de abril de 2012

A grama do vizinho


 
Espiã de outros alguéns que não me cabem, sempre acabo me perdendo nas histórias dos outros, em outros contos, intrigas, fadigas. Fato é que, todo mundo uma hora ou outra acha que a grama do vizinho tá mais verde...ou em outras palavras, a gente sempre acha que o outro é de alguma forma muito mais feliz do que a gente.

Bem, eu poderia falar aqui, de relacionamento, profissão, intelecto ou qualquer coisa dessa, que valha, mas prefiro ater-me ao seguinte: "estamos sempre satisfatoriamente insatisfeitos".
Ou seja, estamos sempre olhando por cima do muro, porque além de invejosos, somos também preocupados..
Mas preocupados com o que??






Preocupados com nossa imagem, oras..
Com aquilo que nos torna únicos ou especiais..
Aquilo que nos eleva diante dessa sociedade que anda tão desregrada.

Mas aí, espiamos, e do outro lado vemos as maravilhas de ser o outro.
Imaginamos o mundo de belezas e luxos que eles tem acesso e praguejamos sobre a nossa vida tão sofrida.
O problema é que o feliz perfeito vizinho, do outro lado, faz o mesmo..

Se um é mais rico, o outro reclama que é muito pobre..
se um tem um casamento aparentemente feliz o outro reclama da sua solidão..e por aí vai..

Mas, não acho que seja de todo o mal desejarmos o outro, naquilo que ele tem de melhor.
Afinal, é parte disso que nos move a conquistar nossas coisas, adquirir novos valores, mudar de casa, de emprego e de relacionamento..

Quer dizer, olhando pro outro eu apenas estou vendo aquela versão hollywoodiana de mim mesmo.E até aí, tudo bem! Na verdade, nós só estamos querendo ver como seriamos se estivessemos ali, se tivessemos feito aquelas escolhas..


E voltando a analogia que dá nome a este texto, concluo que, não queremos que a grama do vizinho venha para o nosso jardim. Queremos sim que ela continue lá brilhante, verde, serena, pois do contrário, se estivesse aqui, teríamos que pisá-la.
Depois de pisada (vivida) existe apenas a beleza da realidade, com nuances cruas, mas não por isso, menos belas, apenas mais dificeis de se enxergar.



Ouvindo_Oasis_Wonderwall

terça-feira, 10 de abril de 2012

come, smile and laugh




Então, acontece de repente
e a voz falha...
o coração acelera..
a mão gela

a gente tenta disfarçar
mas o sorriso escapa..
bobo..
entretido
feliz da vida

você se envaidece
põe uma roupa bonita
trata o cabelo
a unha

e até arruma a blusa estranha
que teima em se desajeitar..

as cores somem do rosto
e o simples toque de uma mão na outra
acendem as emoções

ficamos ansiosos
trêmulos
e geralmente tentando
fazer parecer que está tudo bem..

apaixonando-se no outro
platônicamente
abundantemente
respirando sinais que não existem
e tentando entender o que não tem sentido


e como tudo na vida
passa
ou se repete em outros tantos retratos
que nos esquecemos ao longo do tempo..

entre o dito e não dito
nos alegramos e nos entristecemos..
e vivemos..
a beira do abismo



Ouvindo_Buddy Guy_Stay All Night

segunda-feira, 2 de abril de 2012

O salto alto

Era tudo uma questão de tamanho. Afinal, eu e meus 1,48 de altura sempre adoramos abusar do salto. Coisa de menina, vá entender.
E apesar de saber que aquele bendito sapato usado hoje, não era daqueles para caminhadas de mais de duas quadras, resolvi colocar porque sou chique, sou baixa e sou.....bem
burra.

Estava tudo indo bem até então..
desci do carro elegante, confiante e bonita..trabalhei o dia todo, em cima do sapato me achando a tal, e até arrisquei a caminhada (de menos de duas quadras) até o almoço, porque eu tava "podendo".

Mas aí, veio o a hora de ir embora e minha história começou..




Peguei uma carona até metade do caminho, e enquanto meus pés descansavam soltos no carro, nem sequer me lembrava que eu os tinha. Mas foi ao descer do carona e me despedir, que começei a praguejar.

Nos primeiros 500 metros, eu sorria discreta, andava de cabeça em pé, segurando minha bolsa e me sentindo moderna, claro..um salto alto te dá essas sensações ilusórias..
Mas foi ao ultrapassar os 700 metros que comecei a me perguntar "Porque?, Porque?"..

Tentei parar no ponto de ônibus e esperar dignamente, enquanto havia alguma dignidade em minha alma, mas a demora só fazia meus pés pulsarem no meu sapato, como se gritassem por socorro para que os tirasse dali.

Mais 500 metros - pensei aflita - vai ser melhor que ficar aqui esperando.
E lá se foram mais 500 metros segurando, equilibrando e andando nas calçadas mais irregulares deste país.
Minha unha do dedão parecia que estava travando uma guerra com a minha pele e todos os outros dedos se espremiam dentro do meu sapato para saber o que ia acontecer.

Novo ponto de ônibus, e o trânsito parado. Aguentei cerca de dois minutos esperando.
Minhas pernas agora tremiam.
Era continuar, ou continuar.

Comecei a rezar, pedir ajuda aos anjos, aos santos..implorei por um milagre, uma carona..e até mesmo um vendaval que me levasse voando embora pra casa, ou pra qualquer lugar.
Agora meus pés inchadinhos dentro do sapato, pareciam explodir.

Novo ponto de ônibus. Parei.
Não havia mais sorriso, mais graça e nem elegância em minha persona.
Eu ficava levantando, hora um e hora o outro pra tentar diminuir a dor.
As pessoas me olhavam estranho, talvez se perguntando - "O que diabos essa menina está fazendo?"
Ignorei as pessoas..e lembrei de uma amiga me contando que quando ele coloca sapatos muito apertados, chega uma hora que a dor para..ou seja que o pé adormece.

Imaginei que se eu conseguisse suportar mais um pouco isso ia acontecer.
Quase desmaiei.
Um ônibus chegou, vacilei e não entrei.
Estava cheio demais.

Sambava pé por pé pra aguentar.
O outro veio meia hora depois, ou um ano depois, não me lembro direito pois já estava com a vista embaçada.
Entrei no ônibus e pensei - Vou sentar, eu preciso sentar!

Uma moça ao meu lado me perguntou como eu estava aguentando aquele salto.
Disse a ela, toda sínica: "Ihhh, tô acostumada"

Me senti estúpida diante daquela mentira, mas era o que me restava pra resguardar minha dignidade.
A moça sorriu triste, e foi embora e eu fiquei em pé me agarrando num espaço de 5 cm.
Um homem se ofereceu pra segurar minha bolsa. Tive vontade de dar-lhe meus pés..mas não podia..
Dei a bolsa..

No caminho jurei a mim mesma que assim que descesse do ônibus eu ia arrancar meu sapato, e ir descalsa até em casa.
Quando chegou no ponto, desci, e esperei fingida todos sairem apressados para sua casas. Me abaixei lentamente e arranquei aquele par de filhos da puta do meu pé.
Estava de meia calça mas, era isso ou nada.Arrancar a meia calça no meio da rua também já demais.




Quando meus pés encostaram no chão, quase caí de prazer.
Foi orgásmico.

Comecei a caminhar pela calçada e depois pelo asfalto..sentindo as pedras castigarem a sola do meu pé e da minha meia que a essa altura estava imprestável.
Achei que eu não fosse aguentar.
Bateu o pânico: e se eu fosse abordada, assaltada..sequestrada?

Diante do ódio que se abatia sobre mim, eu acho que era bem capaz de ser eu a enforcar alguém.
Caminhei até em casa, curvada, sem sorriso, com a maquiagem suada, com a meia rasgada.

Na frente do portão, meus pés vacilavam...eu estava descalça e descabelada.
Quando consegui chegar perto de um lugar onde eu pudesse me sentar, joguei os sapatos de lado.
Juro que imaginei eles correndo porta a fora...

Suspirei aliviada, analisei o estado dos meus pé..
relaxei os ombros tensos ...
quando vi os sapatos encostados no canto, pensei..

" Acho que esse sapato combina com a roupa que vou usar semana que vem...acho que vou usar..só que dessa vez..não mais que dois quarteirões"